segunda-feira, 29 de março de 2010

Sansão x Golias: o confronto final

Em entrevista, Roberto Podval disse que se sentiu em uma luta de Sansão contra Golias.

Será que a falta de conhecimento bíblico foi o motivo da sua derrota? Talvez se tivesse usado o personagem certo, saberia que a grande lição dessa história é a de que, por mais que a causa seja considerada perdida, se você acredita nela - e, principalmente, em si mesmo -, poderá sair de lá vencedor.

E o grande problema estava aí: Podval não acreditava na sua causa. Chegou a afirmar em seu julgamento que os réus deviam ser absolvidos por falta de provas. Nãããão, de jeito nenhum!!! O advogado que acredita na inocência de seus clientes deveria dizer: "Eles devem ser absolvidos porque são inocentes"!!!

Então, se o próprio defensor não acreditava nos seus constituintes - e sua postura demonstrou claramente isso -, que chances estes poderiam ter?

Isso parece óbvio e parece autoajuda, mas nada mais é que a mais cristalina verdade. Aliás, autoajuda é justamente isso: apontar o óbvio e que você está cansado de saber, mas não pára pra lembrar.

No mais, fico aqui pensando na hipotética cena de uma disputa de Sansão x Golias, com o gigante debruçado sobre o herói hebreu tentando cortar o cabelo dele na marra. Isso me leva a concluir também que, na maioria das vezes, a persuasão é muito mais poderosa que a força bruta.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Audiências

A gente sabe que nas audiências rolam umas coisas meio estranhas mesmo. Então, resolvi contar algumas aqui.

Certa vez, a discussão girava em torno de uma despedida por justa causa, de um empregado que havia insultado outro com palavras impróprias para reuniões de família.

Foi chamada a testemunha do empregador, autêntico blumenauer-deutsch, para que confirmasse o fato e seguiu-se, então, o depoimento, conduzido pelo Juiz da causa:

- O senhor está comprometido a dizer a verdade, sob pena de ser preso e processado criminalmente.

- Sim senhorrrr!

- O que o autor disse ao seu colega?

- Palafras ti páixo calón.

- Mas, meu senhor, eu preciso saber o que foi dito.

- Non, é muito feio. Son palafras ti páixo calón.

- Meu senhor, ou o senhor me diz que palavras de baixo calão são essas ou eu mando prendê-lo por desacato.

- Tá pom, o senhorrr pediu. Ele tisse: fai tomá no &*%$, seu fi*&dap**¨$!!!

E as palavras de "páixo calón" foram reduzidas a termo.

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Essa foi contribuição da Dra. Maria Beatriz, Juíza titular da 2ª Vara do Trabalho de Blumenau:

A discussão, desta vez, dizia respeito a um pedido de pagamento do adicional de insalubridade feita pelo ex-empregado de uma funerária, que trabalhava como taxidermista - sim, a piada já veio pronta.

Seu argumento era de que o uso contínuo do formal nos embalsamamentos traria sérios riscos à sua saúde. Foi feito o laudo pericial e, depois, a audiência para se produzir provas quanto ao tempo de exposição ao que seria o tal agente insalubre.

Assim, a juíza fez sua pergunta de praxe:

- Quantas vezes por semana o senhor faz uso do formol?

- Aí depende, né doutora? Tem dia que se morre, tem dia que não se morre.

Fatalidade óbvia. Citação digna de ser devidamente "twittada".

segunda-feira, 15 de março de 2010

O novo ponto

Atenção: o texto a seguir é uma chatice sem fim, cheio de detalhes técnicos, mas eu precisava avisar! Portanto, se você chegou aqui para dar umas risadas, é melhor dar meia volta. Favor aguardar assuntos menos enfadonhos nos próximos capítulos. Gratos pela atenção.

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Desde que existe lei trabalhista, as empresas que tinham mais de 10 empregados eram obrigados a ter registrado o horário de seus empregados, o que podia ser feito tanto naquele caderninho bruchura ensebado como no ponto digital.



O pessoal cumpria a ordem direitinho. Mas, o MTE, através de uma portaria publicada já no ano passado, achou por bem proibir o uso de qualquer meio de registro de ponto eletrônico que não seja aquele aprovado por ele.



Foi dado um ano pro pessoal fazer as mudanças, mas a partir de agosto, a coisa é pra valer e vai ser fiscalizada.



Se por um lado o novo sistema é bom pro empregado, já que ele impede que algo seja feito para modificar as anotações reais, por outro o empregador vai ser onerado, já que os relógios que se veem por aí não atendem às novas regras do Ministério do Trabalho e Emprego, a maioria uma grande frescura.



E, senhores empregadores, preparem seus bolsos, porque cada equipamento desses custa, em média, uns R$ 3 mil; e vocês ainda vão ter que gastar com papel para impressão das marcações.



É, tem despesas que só o MTE cria para você.

terça-feira, 2 de março de 2010

Muito barulho por nada

O mulherio estava alvoçoradíssimo. A empresa onde trabalhavam havia afixado um comunicado no mural do refeitório, comunicando que, dali a um mês, a empresa teria apenas um turno de trabalho, das 8h às 16h, e que as que trabalhavam das 5h às 13h30 teriam seu horário alterado.


Fizeram um barulhão, disseram que aquilo era uma afronta, que a mudança de horário seria um transtorno e que não teriam onde deixar suas crianças. Fizeram piquete na frente da fábrica, gritaram, procuraram a imprensa, o sindicato e o bispo. Maior barraco.


E o pessoal da fábrica lá, inflexível. Eles já estavam reduzindo a produção e seu quadro de empregados, tudo para não serem obrigados a fechar as portas e unificar o horário era a consequência lógica desse doloroso processo.


As meninas não fizeram por menos: buscaram o sindicato para patrocinar-lhes a causa e pedir a rescisão indireta do contrato de trabalho, por descumprimento de suas cláusulas, além de indenização por dano moral, vez que teria havido uma discussão entre um grupo delas e o gerente de recursos humanos.

Eram dezoito mulheres, cada uma delas com uma causa em que pediam R$ 50 mil e o fígado do gerente de RH. No total, R$ 900 mil de possível prejuízo.

E assim ganhei um cliente: um empresário assustado, com dezoito ações trabalhistas nas costas e um risco processual que poderia levar a empresa à bacarrota. Mas, engoli em seco e fui à luta.

Em outro post, eu havia dito que cria piamente na verdade jurídica de que o advogado é o primeiro juiz da causa. Pois bem, nunca aquilo fez tanto sentido para mim, pois, estudando a causa com atenção, vi que havia mais fumaça ali do que fogo propriamente. Afinal, a empresa não extrapolou os limites impostos pelo contrato de trabalho. E minha convicção foi justamente o que me motivou a fazer uma boa defesa.

Então, argumentei que não havia descumprimento no contrato, que a empresa teria avisado com antecedência a alteração de turno e que não haveria prejuízo com a mudança. Afinal, poderiam acordar mais tarde, não teriam problema de ônibus e sairiam de casa com o dia claro. Sem contar que seria muito mais saudável para suas crianças (que por elas mesmas foram incluídas na história) ser tiradas da cama às 7h do que às 4h, principalmente nos dias de muito frio, como é comum por aqui no inverno. E, diga-se de passagem, se olharmos o Estatuto da Criança e do Adolescente, o bem estar deles vem primeiro e está muito acima do nosso!


E assim, com essa confiança toda, fui à audiência. A juíza, como é de praxe, nos questionou sobre uma possibilidade de acordo. Meu cliente, morrendo de medo, quase cedeu. Eu, certa que estava do desfecho feliz, disse a ele que não fizesse o acordo, porque, se viéssemos a perder aquela causa, eu deixaria a advocacia.

Mas, por favor, nunca façam isso, colegas, NUNCA! Ao advogado é negado o direito de ser muito confiante, sabe? Nós temos sempre que dizer que nunca temos certeza do resultado, que vai depender do juiz e aquela ladainha toda. E não há nada que deixe o cliente mais irritado que toda essa falta de certeza.

Mas, sei lá, fui acometida por um acesso de loucura, sei lá, um momento de falta de juízo, talvez. Mas, poucas vezes eu fui tão assertiva e audaz, o que causa até uma certa euforia. Aliás, se tem algo que me deixa realmente eufórica é uma audiência, a melhor parte do meu trabalho, a meu ver.

O cliente foi na minha e eu, movida pelo calor da hora, nem medi consequências e continuei firme na minha posição.

E minha loucura foi recompensada, porque ganhamos a questão. Mas, repito: por favor, nunca façam isso!!

segunda-feira, 1 de março de 2010

PL 122/2006: que bicho é esse?

Pra começar, esse troço que vem tirando o sono de certos integrantes das alas conservadoras de certas igrejas é apenas e tão somente um projeto de lei que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e está no Senado para análise, podendo ou não ser aprovado, integralmente ou com alterações, dentro das regras definidas pela Constituição.

O texto do projeto na íntegra pode ser encontrado aqui: http://www.senado.gov.br/sf/senado/centralderelacionamento/sepop/pdf/PLC122.pdf

Não vou transcrevê-lo porque, além de ser enorme, é enfadonho, está em juridiquês e tem muita coisa que não interessa, como fixação de penas e aspectos processuais. Mas, o primeiro ponto a ser notado é que esse projeto PRETENDE ALTERAR a Lei 7.716/89, para definir, além dos crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, aqueles resultantes do preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero (artigo 1º).

Diante disso, serão punidos aqueles que:

- chamarem um homossexual de viadinho FDP;

- despedirem ou deixarem de admitir um empregado em função de sua orientação sexual;

- impedirem o ingresso de homossexuais em determinados ambientes públicos (fórum, repartições) ou privados abertos ao públicos (bares, restaurantes, casas noturnas, igrejas);

- impedirem, recusarem, preterirem ou dificultarem o ingresso de gays em qualquer instituição onde houver processo de seleção (concurso público, vestibular) – assim, não há fixação de cotas para gays nas universidades; apenas se pune aquele que impede seu ingresso nas instituições de ensino;

- impedirem os homossexuais de se hospedar em hotéis ou motéis ou sobretaxarem a diária;

- impedirem ou recusarem a compra ou locação de bens imóveis por homossexuais, ou aumentarem o valor da venda ou da locação em função disso;

- impedirem a manifestação de afetividade em público – por manifestação de afetividade se entenda carinhos, abraços e beijos afetuosos; comer, lamber, chupar e penetrar em público ainda são atos previstos como crime de atentado violento ao pudor, previsto no Código Penal e cuja pena é aplicável a homo e heterossexuais;

- praticarem, induzirem ou incitarem a discriminação – veja que aí que o PL não fala apenas dos homossexuais, mas também daqueles que se sentem discriminados por causa do seu sexo (mulheres) e da sua religião. Portanto, os religiosos deveriam gritar Aleluia e não combater a aprovação dessa lei, pois estariam sendo também beneficiados por ela.

E vejam: só haverá crime se houver a discriminação quanto à orientação sexual. Portanto, os gays não passaram a receber imunidade legal ou coisa parecida. Se um gay for baderneiro, ele poderá ser impedido de entrar numa casa noturna; se for mau empregado, poderá ser despedido, até por justa causa, se for o caso. Mas, se ele for despedido apenas porque é gay, seu empregador terá praticado um crime, sim!

E acabou por aí. O resto do texto, como eu disse antes, trata apenas da fixação de penas e de aspectos processuais irrelevantes à discussão.

O interessante a notar também é que, EM NENHUM MOMENTO, esse texto fala em direitos sexuais sobre menores. Pelo contrário, a pedofilia é crime e recentemente o Código Penal foi alterado para acrescentar como tipo penal os crimes de estupro de vulnerável (art. 217-A CP), satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A CP) e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (art. 218-B CP).

Talvez os religiosos estejam se pegando no tal artigo 20, pois talvez suas prédicas furiosas contra a homossexualidade sejam interpretadas como indução à discriminação.

E aí surge a grande pergunta: o artigo 20 da PL 122 irá, de fato, restringir a liberdade de expressão? De fato, essa norma esbarra um pouco na liberdade de crença prevista na Constituição. Acontece que, a meu ver, o que está sendo garantido aqui é o direito do indivíduo quanto às suas questões de foro íntimo. Assim, eu posso crer ou não em Deus, ou então declarar-me católica, evangélica, budista, xintoísta ou muçulmana à vontade. Contudo, essa minha liberdade é limitada pela liberdade do outro, pelo que penso que é o proselitismo que está sendo impedido aqui. De qualquer maneira, o pessoal vai passar a bola pro STF, que tem o pleno direito de declarar inconstitucional o artigo que trata dessa matéria especificamente e, ainda assim, manter os demais e usar do princípio da harmonização, de forma a reduzir o alcance de um princípio, evitando assim a completa destruição do outro.

Por outro lado, a liberdade de expressão já não é restringida por lei? Ora, não há liberdade de expressão absoluta, até porque, se assim fosse, estaríamos colidindo com outro princípio constitucional, que é o da personalidade. A própria lei penal pune o abuso à liberdade de expressão (vide os tipos penais de calúnia, injúria e difamação), assim como a lei civil garante a reparação pelo dano moral e material causados pelo mau uso das palavras.

Assim, não haveria mal algum de algum pregador realizar suas "prédicas furiosas", desde que não imprima o caráter discriminatório a ponto de causar injúria real, porque aí estaria cometendo um crime.

Daí, eu pergunto: por que essa barulheira toda? Acho que, se Direito é bom senso e se através dele aplicamos os direitos fundamentais, dentre eles a igualdade, nada mais sensato que aprovar esse projeto de lei.