O mulherio estava alvoçoradíssimo. A empresa onde trabalhavam havia afixado um comunicado no mural do refeitório, comunicando que, dali a um mês, a empresa teria apenas um turno de trabalho, das 8h às 16h, e que as que trabalhavam das 5h às 13h30 teriam seu horário alterado.
Fizeram um barulhão, disseram que aquilo era uma afronta, que a mudança de horário seria um transtorno e que não teriam onde deixar suas crianças. Fizeram piquete na frente da fábrica, gritaram, procuraram a imprensa, o sindicato e o bispo. Maior barraco.
E o pessoal da fábrica lá, inflexível. Eles já estavam reduzindo a produção e seu quadro de empregados, tudo para não serem obrigados a fechar as portas e unificar o horário era a consequência lógica desse doloroso processo.
As meninas não fizeram por menos: buscaram o sindicato para patrocinar-lhes a causa e pedir a rescisão indireta do contrato de trabalho, por descumprimento de suas cláusulas, além de indenização por dano moral, vez que teria havido uma discussão entre um grupo delas e o gerente de recursos humanos.
Eram dezoito mulheres, cada uma delas com uma causa em que pediam R$ 50 mil e o fígado do gerente de RH. No total, R$ 900 mil de possível prejuízo.
E assim ganhei um cliente: um empresário assustado, com dezoito ações trabalhistas nas costas e um risco processual que poderia levar a empresa à bacarrota. Mas, engoli em seco e fui à luta.
Em outro post, eu havia dito que cria piamente na verdade jurídica de que o advogado é o primeiro juiz da causa. Pois bem, nunca aquilo fez tanto sentido para mim, pois, estudando a causa com atenção, vi que havia mais fumaça ali do que fogo propriamente. Afinal, a empresa não extrapolou os limites impostos pelo contrato de trabalho. E minha convicção foi justamente o que me motivou a fazer uma boa defesa.
Então, argumentei que não havia descumprimento no contrato, que a empresa teria avisado com antecedência a alteração de turno e que não haveria prejuízo com a mudança. Afinal, poderiam acordar mais tarde, não teriam problema de ônibus e sairiam de casa com o dia claro. Sem contar que seria muito mais saudável para suas crianças (que por elas mesmas foram incluídas na história) ser tiradas da cama às 7h do que às 4h, principalmente nos dias de muito frio, como é comum por aqui no inverno. E, diga-se de passagem, se olharmos o Estatuto da Criança e do Adolescente, o bem estar deles vem primeiro e está muito acima do nosso!
E assim, com essa confiança toda, fui à audiência. A juíza, como é de praxe, nos questionou sobre uma possibilidade de acordo. Meu cliente, morrendo de medo, quase cedeu. Eu, certa que estava do desfecho feliz, disse a ele que não fizesse o acordo, porque, se viéssemos a perder aquela causa, eu deixaria a advocacia.
Mas, por favor, nunca façam isso, colegas, NUNCA! Ao advogado é negado o direito de ser muito confiante, sabe? Nós temos sempre que dizer que nunca temos certeza do resultado, que vai depender do juiz e aquela ladainha toda. E não há nada que deixe o cliente mais irritado que toda essa falta de certeza.
Mas, sei lá, fui acometida por um acesso de loucura, sei lá, um momento de falta de juízo, talvez. Mas, poucas vezes eu fui tão assertiva e audaz, o que causa até uma certa euforia. Aliás, se tem algo que me deixa realmente eufórica é uma audiência, a melhor parte do meu trabalho, a meu ver.
O cliente foi na minha e eu, movida pelo calor da hora, nem medi consequências e continuei firme na minha posição.
E minha loucura foi recompensada, porque ganhamos a questão. Mas, repito: por favor, nunca façam isso!!
terça-feira, 2 de março de 2010
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