segunda-feira, 1 de março de 2010

PL 122/2006: que bicho é esse?

Pra começar, esse troço que vem tirando o sono de certos integrantes das alas conservadoras de certas igrejas é apenas e tão somente um projeto de lei que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e está no Senado para análise, podendo ou não ser aprovado, integralmente ou com alterações, dentro das regras definidas pela Constituição.

O texto do projeto na íntegra pode ser encontrado aqui: http://www.senado.gov.br/sf/senado/centralderelacionamento/sepop/pdf/PLC122.pdf

Não vou transcrevê-lo porque, além de ser enorme, é enfadonho, está em juridiquês e tem muita coisa que não interessa, como fixação de penas e aspectos processuais. Mas, o primeiro ponto a ser notado é que esse projeto PRETENDE ALTERAR a Lei 7.716/89, para definir, além dos crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, aqueles resultantes do preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero (artigo 1º).

Diante disso, serão punidos aqueles que:

- chamarem um homossexual de viadinho FDP;

- despedirem ou deixarem de admitir um empregado em função de sua orientação sexual;

- impedirem o ingresso de homossexuais em determinados ambientes públicos (fórum, repartições) ou privados abertos ao públicos (bares, restaurantes, casas noturnas, igrejas);

- impedirem, recusarem, preterirem ou dificultarem o ingresso de gays em qualquer instituição onde houver processo de seleção (concurso público, vestibular) – assim, não há fixação de cotas para gays nas universidades; apenas se pune aquele que impede seu ingresso nas instituições de ensino;

- impedirem os homossexuais de se hospedar em hotéis ou motéis ou sobretaxarem a diária;

- impedirem ou recusarem a compra ou locação de bens imóveis por homossexuais, ou aumentarem o valor da venda ou da locação em função disso;

- impedirem a manifestação de afetividade em público – por manifestação de afetividade se entenda carinhos, abraços e beijos afetuosos; comer, lamber, chupar e penetrar em público ainda são atos previstos como crime de atentado violento ao pudor, previsto no Código Penal e cuja pena é aplicável a homo e heterossexuais;

- praticarem, induzirem ou incitarem a discriminação – veja que aí que o PL não fala apenas dos homossexuais, mas também daqueles que se sentem discriminados por causa do seu sexo (mulheres) e da sua religião. Portanto, os religiosos deveriam gritar Aleluia e não combater a aprovação dessa lei, pois estariam sendo também beneficiados por ela.

E vejam: só haverá crime se houver a discriminação quanto à orientação sexual. Portanto, os gays não passaram a receber imunidade legal ou coisa parecida. Se um gay for baderneiro, ele poderá ser impedido de entrar numa casa noturna; se for mau empregado, poderá ser despedido, até por justa causa, se for o caso. Mas, se ele for despedido apenas porque é gay, seu empregador terá praticado um crime, sim!

E acabou por aí. O resto do texto, como eu disse antes, trata apenas da fixação de penas e de aspectos processuais irrelevantes à discussão.

O interessante a notar também é que, EM NENHUM MOMENTO, esse texto fala em direitos sexuais sobre menores. Pelo contrário, a pedofilia é crime e recentemente o Código Penal foi alterado para acrescentar como tipo penal os crimes de estupro de vulnerável (art. 217-A CP), satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A CP) e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável (art. 218-B CP).

Talvez os religiosos estejam se pegando no tal artigo 20, pois talvez suas prédicas furiosas contra a homossexualidade sejam interpretadas como indução à discriminação.

E aí surge a grande pergunta: o artigo 20 da PL 122 irá, de fato, restringir a liberdade de expressão? De fato, essa norma esbarra um pouco na liberdade de crença prevista na Constituição. Acontece que, a meu ver, o que está sendo garantido aqui é o direito do indivíduo quanto às suas questões de foro íntimo. Assim, eu posso crer ou não em Deus, ou então declarar-me católica, evangélica, budista, xintoísta ou muçulmana à vontade. Contudo, essa minha liberdade é limitada pela liberdade do outro, pelo que penso que é o proselitismo que está sendo impedido aqui. De qualquer maneira, o pessoal vai passar a bola pro STF, que tem o pleno direito de declarar inconstitucional o artigo que trata dessa matéria especificamente e, ainda assim, manter os demais e usar do princípio da harmonização, de forma a reduzir o alcance de um princípio, evitando assim a completa destruição do outro.

Por outro lado, a liberdade de expressão já não é restringida por lei? Ora, não há liberdade de expressão absoluta, até porque, se assim fosse, estaríamos colidindo com outro princípio constitucional, que é o da personalidade. A própria lei penal pune o abuso à liberdade de expressão (vide os tipos penais de calúnia, injúria e difamação), assim como a lei civil garante a reparação pelo dano moral e material causados pelo mau uso das palavras.

Assim, não haveria mal algum de algum pregador realizar suas "prédicas furiosas", desde que não imprima o caráter discriminatório a ponto de causar injúria real, porque aí estaria cometendo um crime.

Daí, eu pergunto: por que essa barulheira toda? Acho que, se Direito é bom senso e se através dele aplicamos os direitos fundamentais, dentre eles a igualdade, nada mais sensato que aprovar esse projeto de lei.

Um comentário:

  1. Um aspecto que deveria ser óbvio, mas que tão poucos entendem - e que a nossa Adri tão bem coloca: Lei é bom senso, e o direito de um (dar sua opinião) acaba onde começa o direito do outro (de ter sua opção sexual, por exemplo)...

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